quarta-feira, 9 de junho de 2010
INCÔMODOS
O dia é hoje (09/06/2010), a hora é agora. Em Belém trafego pela travessa Benjamin Constant. No cruzamento com a Av. Conselheiro Furtado aguardo o semáforo abrir. De relance vejo uma cena febril e comum. Um ser humano está sentado na calçada. Velho, cabelos brancos, semi nú, com sua perna única e uma muleta. Não me vê. Está abraçado à sua perna solitária e de cabeça baixa (parece um poema de Pasternak). Ao seu lado a muleta e um copo improvisado com água pela metade. É o retrato do abandono, da dor. O semáforo abre, avanço mais um pouco e no cruzamento com a Rua Braz de Aguiar mais um ser humano está sentado na calçada. Também velho. Também mendigo. O eco das minhas ideologias ressoando na minha cabeça. Uns poucos metros adiante há um buraco na via. Asfalto interrompido, tráfego prejudicado. Muitas buzinas anunciam o incômodo causado pelo buraco. Ninguém buzina pelos velhos mendigos. Eles não incomodam ninguém. Nenhum ruído lhes é destinado. Ninguém se incomoda com eles e com suas dores expostas. Nessa hora tenho certeza que a luta pelo socialismo (que me move há muitos anos) se fortalece. Não justiça possível enquanto nossos velhos e nossas crianças estiverem invisíveis nas esquinas de nossa cidade. Revoltemo-nos! Lutemos pelo fim dessa cotidiana miséria.
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4 comentários:
Li,como se,novamente,sentada a tua frente ouvisse da tua própria boca e de todo o resto do corpo,o incômodo.Teu.Meu.Em mim revira o juízo e a ânima.É como se algo meu se ligasse profundamente com essas manifestações de desolação e indiferença.Como se nenhuma resposta me acaletasse o desassossego de saber que as desigualdades além de materiais são éticas.
Lendo mais, encontrei o outro Fernando,Pessoa."Morrer é apenas não ser visto", acho que morrer também é não ver.
(Fernando Pessoa
"Acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário." Che Guevara
Ao ler sobre esse seu incômodo, que não é só seu, mas infelizmente de algumas poucas pessoas nessa nossa sociedade cega, lembrei de uma reflexão que escrevi há algum tempo: "Nada mais nesse mundo consegue me chocar; poucas pessoas talvez ainda consigam me surpreender, mas tudo ainda me comove...". Fico profundamente comovida ao ver manifestações de tão grande sensibilidade. Quem dera mais pessoas pudessem incomodar-se com as injustiças dessa nossa sociedade repleta de misérias cotidianas...
Francisca Cerqueira
(francisca.cerqueira@bol.com.br)
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