sexta-feira, 7 de maio de 2010
BELO MONTE: O LEILÃO DA VIDA E DA FLORESTA
A discussão sobre a construção da Usina de Belo Monte, na sub-bacia hidrográfica do Rio Xingu, afluente da margem direita do Rio Amazonas não é apenas uma discussão sobre a o atual modelo de geração de energia elétrica em nosso país.
É verdade que a opção preferencial adotada pelo governo brasileiro de energia gerada por hidrelétricas e termelétricas - em detrimento da busca pela eficiência energética e adoção de matrizes energéticas renováveis, revela um modelo anacrônico e ultrapassado que está na contramão das alternativas energéticas pensadas atualmente. Em verdade o projeto todo prevê a instalação de 40 hidrelétricas, só na Amazônia.
Mas esse é apenas um dos problemas. Os estudos ambientais mais recentes são unânimes em afirmar que o abastecimento de água será o grande desafio do milênio. A segunda Conferência Mundial Sobre Águas, realizada em Amsterdã, em princípios de 2001, prognosticou que em 2027 cerca de um bilhão de habitantes não terá água suficiente para o atendimento de suas necessidades básicas. Fica então uma pergunta: temos o direito de dispor da água apenas como força motriz para movimentar geradores, transformando energia mecânica em elétrica, nos desresponsabilizando com uma discussão muito mais profunda sobre os usos da água como fonte de vida em nosso planeta?
Esta discussão assume uma dimensão mundial em se tratando da Amazônia, que dispõe de cerca de 20% sistema hidrográfico do planeta e 2/3 (63,6%) do potencial hidrelétrico brasileiro, principalmente nos rios Tocantins (aonde já existe a Usina de Tucuruí), Araguaia, Xingu e Tapajós. Evidentemente que não queremos fazer coro àqueles que defendem a “internacionalização” da Amazônia, mas se trata de compreender os alcances estratégicos que a questão da água reserva para o futuro da existência do homem sobre nosso planeta.
O principal argumento em defesa desse mega-projeto é a necessidade de evitar novos “apagões”, mas ele esconde objetivos menos “nobres” como beneficiar o fornecimento de energia elétrica aos setores privados de empresas eletro-intensivas, tais como as indústrias de alumínio primário, ferro e celulose, que vêm se expandindo na região.
Diversos estudos comprovam que outras alternativas poderiam ser utilizadas para otimizar a geração de energia em nosso país. Célio Bermann, professor do curso de pós-graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e membro da Coordenação do Programa Brasil Sustentável e Democrático, aponta quatro alternativas elementares: primeira: reduzindo as perdas no sistema elétrico brasileiro; segunda: repotenciando as usinas com mais de 20 anos; Terceira: gerando energia em sistemas descentralizados através das PCH’s - Pequenas Centrais Hidrelétricas e de usinas eólicas que aproveitam a energia dos ventos e; quarta: aproveitando biomassa (bagaço de cana, da mamona, do dendê ou de resíduos do papel e celulose) em co-geração. Soluções que já deveriam ter sido adotadas há muito tempo e que evitariam o quadro atual. Estas medidas significariam o incremento de 33% da capacidade de geração atualmente instalada, afastando por completo o risco de novos “apagões”. Se a essas medidas se somarem esforços no sentido de se desenvolver o uso da energia solar a partir de painéis fotovoltaicos, o quadro melhora substancialmente.
Ademais ainda há pouca definição sobre diversos aspectos da obra. Versões preliminares indicavam que a área a ser inundada seria de 6.500 Km², o dobro da área do maior lago artificial do mundo, o de Sobradinho, no Nordeste, mas, com a implantação total do projeto, a área inundada pode chegar aos 14 mil Km². Se todos os projetos de grande porte que estão previstos na Amazônia forem concretizados, estima-se que serão emitidos cerca de 2.308,5 milhões de toneladas equivalentes de CO² nos primeiros dez anos após o início da operação das usinas, ou 231 milhões de toneladas equivalentes de CO² por ano. Esse volume implicaria num agravamento do aquecimento global na medida em que são gases que destroem a camada de ozônio e aceleram o “efeito estufa”.
Além disso, em razão da diferença do volume de água no inverno e no verão, a usina não poderá funcionar com sua capacidade máxima durante todo o ano. Dos 11,2 mil MW previstos a usina de Belo Monte só terá 4,6 mil MW de potência firme. Segundo Lúcio Flávio, jornalista paraense, “durante quatro meses do ano a imensa casa de máquinas terá a aparência de um museu, sem atividade. Somente funcionará a plena carga em metade do ano”. Para “minimizar” este problema a Eletronorte prevê a construção de uma Usina Termo-elétrica, às proximidades de Belo Monte, para compensar a queda de produção no período de estiagem. Este “acessório” elevaria em U$ 750 milhões o orçamento inicial de Belo Monte, atualmente orçado em R$ 30 bilhões.
O impacto social afetaria diretamente a vida de mais de 4 mil famílias e diversas aldeias indígenas. Há indícios que aldeias que distam mais de mil quilômetros da Usina serão afetadas, configurando um quadro de caos para estas populações já tão ameaçadas.
Há no Brasil cerca de 1 milhão de pessoas desalojadas em conseqüência da construção de barragens, sendo que 70% delas perderam absolutamente tudo. Em geral a população fica com os espólios negativos da obra, sem rede elétrica, sem terra, sem rio e sem pesca. Além disso as cidades-sede dos projetos ficam com o ônus do inchaço populacional e todas as mazelas decorrentes.
O leilão de Belo Monte não leiloou apenas a obra. Leiloou a floresta e a vida de milhares de pessoas. O trajeto judicial é um triste exemplo do que chamamos de “judicialização” das lutas. A “justiça” não pode ser o ponto final de nossas reivindicações. A necessidade do povo não pode se limitar aos limites de uma legislação marcadamente conservadora. Que seria da luta contra a ditadura se o povo se ativesse aos limites legais da luta? Não se trata de propor a negação da legalidade, mas de esgarçá-la com a força do povo, construindo a contra-hegemonia na prática. A luta contra Belo Monte ainda não terminou!
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Um comentário:
Parabés Fernando. Você é uma pessoa coerente. É hora do povo cobrar compromissos daqueles que postulam o maior cargo do estado do Pará.
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